Justiça climática e o engajamento socioambiental

Justiça climática e o engajamento socioambiental

Justiça climática e o engajamento socioambiental

Luis Fernando Rego

Pedro Nelson Lacava

As demandas atuais da humanidade e a emergência das crises ambientais, simbolizada pela crise da mudança climática global, exigem uma nova visão e postura da sociedade e da ciência.

 

Como destacou MCELWEE no seu artigo, as ações para correção dos rumos para frear as emissões de gases do efeito estufa e tentar reduzir as mudanças em curso avançam em velocidade menor que o necessário, principalmente por conta dos governos que têm avançado pouco nas metas e vem sabotando sistematicamente as negociações. Em paralelo, os impactos dos eventos extremos que estão acontecendo já se fazem sentir, mas de maneira desigual, impactando sobretudo os mais pobres e vulneráveis. Este cenário aliado a necessidade da implementação de medidas algumas vezes amargas, tem suscitado movimentações populistas, como no Brasil e na gestão anterior americana.

 

O grande dilema que nos afronta neste início deste século está concentrado que o desenvolvimento moderno está calcado em bases sólidas de matriz energética baseada em combustíveis fósseis e até o momento tem gerado riqueza e desenvolvimento para uma boa parte das nações. É fato que os maiores IDHs (índice de desenvolvimento humano) coincidem com os maiores consumos e emissões de CO2. Este dilema nos parece ser o grande obstáculo para a mudança e o controle das emissões. Como compatibilizar a curto prazo, pois os dados expostos induzem á soluções emergenciais de mudança de rota, a manutenção do padrão adquirido e ao mesmo tempo reduzir as emissões fósseis globais.

Como efetuar a justiça climática imputando aos mais pobres sacrifícios, aplicando os mesmos “remédios e doses” sem que eles não puderam “saborear” as delícias de uma vida em condições mais humanas.

 

A justiça climática deve levar em conta que as ambições das nações mais pobres necessitam ser levadas em conta contrapondo o senso quase midiático que “todos são igualmente responsáveis “. Na realidade alguns são muito mais responsáveis e devem contribuir muito mais.

A ciência tem avançado em demonstrar a urgência da situação, provando cada vez mais o vínculo entre os eventos extremos que tem ocorrido no planeta e o aquecimento global, e tais descobertas tem impactado na sociedade cada vez mais. Como reflexo, a sociedade vem se mostrando cada vez mais consciente, mostrando um ponto de inflexão da percepção pública do problema, o que tem resultado em uma fonte crescente de pressão (MCELWEE).

 

Porém é importante mencionar que a ciência há tempos externa massivamente seu alerta para o descolamento dos limites aceitáveis para a estabilidade climática e que em grande parte isto esta sendo causado pelas ações antrópicas do desenvolvimento industrial.

Podemos citar, como exemplo marcante sobre estes alertas, em 23 de junho de 1988, James Hansen, então diretor do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da NASA, testemunhou perante o Comitê de Energia e Recursos Naturais do Senado dos Estados Unidos sobre mudanças climáticas globais Durante sua declaração, ele apresentou três conclusões principais: (1) A Terra estava mais quente em 1988 do que em qualquer outro momento na história das medições instrumentais; (2) O aquecimento global pode ser atribuído, com 99% de certeza, a um aumento causado pelo homem no efeito estufa, principalmente devido à queima de combustíveis fósseis e mudanças na forma como usamos a terra; e (3) As simulações climáticas por computador indicam que o efeito estufa já é grande o suficiente para começar a afetar a probabilidade de eventos extremos, como ondas de calor no verão Hansen também apresentou resultados de modelos climáticos tridimensionais para três cenários de crescimento de gases de efeito estufa e discutiu as implicações desses cenários para o futuro do clima global .

Este conflito das sociedades, em parte preocupada com a urgência da questão climática e funcionando como fonte de pressão para a adoção de medidas por parte dos governos; em outra parte resistente à adoção de certas medidas, o que desemboca em uma resistência e até um certo negacionismo, demonstra a importância da comunicação e da ciência. A visão fragmentada da realidade tem levado, como alerta Bohm (1980), a uma confusão em acreditar que aquilo sobre o que se pensa é a realidade em si e não apenas parte dela (JABOCI et al).

De acordo com Hans Jonas, o homem se tornou perigoso não só para si, mas para toda biosfera, e o futuro da natureza é condição sine qua non para o futuro da humanidade. Porém, neste sentido, acreditamos que somente ele pode também mudar o status quo antes que a natureza o faça à um custo muito maior.

 

 O avanço tecnológico precisa ser condicionado para garantir a continuidade da vida do planeta e as futuras gerações (JONAS, 1979).

Como no exemplo trazido por MCELWEE, uma sociedade mais informada e consciente é importante para influenciar as políticas governamentais. Para tanto, é necessário dialogar e se comunicar com os diferentes estratos da sociedade. Um exemplo desta abordagem é apresentado por RUSSILL na questão do conceito de “pontos de inflexão”, muito utilizados ao longo da evolução dos estudos de mudanças climáticas.

 

Explicando melhor: Um ponto de inflexão no contexto das questões climáticas refere-se a um momento ou limite crítico no qual um pequeno aumento nas mudanças climáticas pode levar a mudanças significativas e muitas vezes irreversíveis no estado de um sistema climático. Após esse ponto, o sistema pode se mover rapidamente para um novo estado de equilíbrio, que pode ser muito diferente do estado anterior.

Ao mesmo tempo que esta metáfora foi importante para ampliar o entendimento da sociedade sobre a gravidade do problema, seu uso pode trazer “ruídos” (ou confusões semânticas), distraindo a atenção do debate, como no caso do degelo do Ártico (RUSSILL).

 

O caso trazido por RUSSILL também serve de ilustração para o que MORIN define como ecologia da ação, que significa que “que toda ação humana, a partir do momento em que é iniciada, escapa das mãos de seu iniciador e entra no jogo das interações múltiplas próprias da sociedade, que a desviam de seu objetivo e às vezes lhe dão um destino oposto ao que era visado” (MORIN). Um efeito análogo aos explicados pelos pressupostos da Teoria do Caos devido à sua sensibilidade às condições iniciais e à complexidade das interações entre as partes, o comportamento do sistema pode parecer aleatório e imprevisível.

 

Estas questões trazidas pelos autores, como a responsabilidade do ser humano para com a natureza (JONAS); a necessidade de uma evolução do conceito de ciência, onde será preciso que ela comporte o autoconhecimento ou, melhor ainda, a autoconsciência (MORIN).

Para Morin, a autoconsciência implica considerar que o conhecimento é sempre parcial, incerto e em evolução. Isso também significa considerar que o sujeito (o pesquisador) e o objeto (o pesquisado) não são entidades separadas e independentes, mas estão interconectados e influenciam um ao outro. Além disso, a autoconsciência inclui o reconhecimento de que a ciência é uma atividade humana, sujeita a valores, normas e interesses sociais.

 

No geral, Morin argumenta que precisamos de uma abordagem mais holística, integrada e reflexiva para a ciência, que leve em conta a complexidade e a interconexão do mundo e reconheça a natureza incerta e evolutiva do conhecimento.

A relação da ciência e da política em termos de aprendizagem social, traz perspectivas mais reflexivas sobre a relação da ciência e dos processos sociais (RUSSILL) e a responsabilidade de toda a sociedade para a definição dos rumos do enfrentamento às mudanças climáticas (MCELWEE), nos remetem a necessidade de aprofundar a relação ciência-política-sociedade, o que passa não só por uma melhor comunicação, mas também por uma maior participação sobretudo da sociedade. Como destacou MORIN, parafraseando uma celebre frase de um general francês da 1ª Guerra Mundial: “A ciência é um processo sério demais para ser comandada só por cientistas”.

 

Referências:

JACOBI, P. R. et al. Caminhos para uma nova ética em tempos pós-Covid-19: o desafio de ampliar diálogos e fortalecer aprendizagem social.xado só nas mãos dos cientistas”.

JOSHUA PEARCE, CHRIS RUSSILL. Interdisciplinary Environmental Education:Communicating and Applying Energy Efficiency for Sustainability

MCELWEE, Pamela. Are We at. a Climate Tipping Point? Current history (New York, N.Y.: 1941). December 2019

MORIN, Edgar. Ciência com Consciência – Parte 1 (ênfase nos itens 5 e 6).

RUSSILL, Chris Climate change tipping points: origins, precursors, and debates. WIREs Clim Change, 2015, 6:427–434.

RUSSILL, Chris & NYSSA Zoe. The tipping point trend in climate change communication. Global Environmental Change 19 (2009) 336–344.

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