O papel da valoração ambiental nas compensações ambientais da biodiversidade

O Papel Da Valoração Ambiental Nas Compensações Ambientais Da Biodiversidade

O papel da valoração ambiental nas compensações ambientais da biodiversidade

Luís Fernando do Rego

As compensações ambientais ou da biodiversidade (Biodiversity offsets) são ferramentas utilizadas para compensar os impactos de desenvolvimento inevitáveis sobre a biodiversidade (BULL et al, 2013) e a proteção dos ecossistemas (SHANG et al, 2018). Mais de 56 países possuem leis ou políticas que exigem compensações de biodiversidade ou alguma forma de conservação compensatória para conjuntos específicos de impactos (OECD, 2016).

 As compensações são um mecanismo utilizado para internalizar externalidades, oferecendo uma abordagem que vincula a conservação ao setor produtivo, a proporcionar, potencialmente, melhores resultados ecológicos no contexto do desenvolvimento econômico (BULL et al, 2013). O conceito de compensação ainda é muito atrelado ao conceito do poluidor-pagador, mas pode ser utilizado também com base no princípio do protetor-recebedor, na forma de incentivos como o pagamento por serviços ambientais (FERRAZ et al, 2019).

As metodologias de avaliação, os valores ecológicos, mecanismos e modelos variam conforme as leis e programas de cada local (KÜPFER, 2008), não sendo necessariamente monetários. De maneira geral, a compensação segue o princípio de sem perda líquida, de preferência com ganho adicional, respeitando uma abordagem hierárquica de mitigação (MADSEN et al, 2010). A abordagem hierárquica de mitigação dos impactos estabelece uma sequência para as medidas que são: evitar, (2) minimizar, (3) reabilitar e (4) compensar, cabendo a esta última, em teoria, os impactos residuais após a adoção de toda as medidas anteriores (ENETJÄRN et al, 2015).

A valoração ambiental busca estimar a soma dos bens e serviços ecossistêmicos providos (PEARCE,1993). Segundo YOUNG et al. (2015), imputar valor aos recursos ambientais é uma das formas de calcular as perdas ou ganhos da sociedade diante da variação dos recursos, isso podendo ser feito por meio de técnicas de valoração adequadas conforme cada situação. Segundo SINISGALLI (2005), a valoração ambiental é a ponte para a conexão entre a economia e a ecologia, uma forma de internalizar as externalidades nos processos, buscando o desenvolvimento sustentável.

Materiais e métodos

O presente trabalho tem como objetivo avaliar como a valoração ambiental pode contribuir para a definição e avaliação das compensações, considerando a Lei Federal n° 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC. Neste sentido, estabelecer a relação entre as compensações e a valoração ambiental se faz importante por dois motivos, que se retroalimentam:

(1) As metodologias de valoração ambiental irão indicar os fatores e impactos da atividade, bem como mensurá-los, embasando melhor a definição das compensações necessárias e:

(2) As compensações, uma vez definidas, devem ser incorporadas nos cálculos da valoração, para melhor avaliação da sua viabilidade ambiental. Conforme sugere ENETJÄRN et al. (2015), por mais que seja importante integrar as compensações aos processos, a tomada de decisão deve considerar separadamente duas etapas:

(1) Viabilidade do empreendimento e

(2) Qual a melhor forma de compensação.

Resultados e discussão

Os impactos não mitigáveis de empreendimentos de significativo impacto ambiental deverão ser compensados por meio da aplicação de recursos conforme metodologia estabelecida pela legislação (BRASIL, 2000), detalhada no Decreto nº 6.848/2009. O critério é baseado no Valor do Empreendimento (VR) multiplicado pelo Grau de Impacto nos ecossistemas (GI), esse definido por uma fórmula que atribui notas pré-estabelecidas, considerando aspectos como a) magnitude, b) abrangência, c) temporalidade e d) biodiversidade.

Esse formato não incorpora mensuração dos impactos e ações mitigadoras, desconsidera a equivalência entre os “impactos x compensações” e atrela o resultado ao valor do empreendimento, o que recebe críticas (BECHARA, 2009; VILLARROYA et al, 2014).

Para uma definição mais assertiva, é recomendável a adoção de metodologias alternativas, desassociadas da fórmula de “percentual sobre base de cálculo” e dos custos de implantação (RODRIGUES, 2007). Uma sugestão de modelo de definição das compensações é seguir os princípios sugeridos pela IUCN (2014) e pelo BBOP (2018), que estabelecem alguns princípios que devem ser considerados nas compensações da biodiversidade, dos quais destaca-se a adesão à hierarquia de mitigação, o contexto da paisagem, “sem perdas liquidas” e “ganhos adicionais”, transparência e resultados a longo prazo.

 Os referidos trabalhos reforçam a necessidade de valoração tanto para a definição das compensações quanto para auferir a efetividade dos seus resultados.  Segundo na visão neoclássica, a economia contém o ecossistema como uso de exploração. Na visão defendida de economia ecológica, o ecossistema contém a economia para a qual oferece uma taxa de transferência de matéria-energia retirada da natureza de acordo com regularidade de rendimento sustentável. Neste sentido, as ferramentas de valoração, como valoração ambiental (Constanza, 1991) ou valoração emergética (Odum, 1994) se mostram adequadas para avaliar os impactos e fornecer referências metodológicas. As valorações das áreas protegidas beneficiadas (Young & Medeiros, 2018) e das medidas compensatórias também devem ser consideradas nos cálculos de valoração de um projeto.

Considerações finais

As compensações ambientais são instrumentos importantes não só para reduzir os impactos líquidos das intervenções humanas, como têm-se mostrado uma política importante para conter a perda de biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos (ENETJÄM et al, 2015). Para serem efetivas, os mecanismos e fórmulas de avaliação e mensuração precisam ser aprimorados. Um leque cada vez maior de iniciativas deve ser acompanhado de uma ampliação dos estudos para se chegar a uma metodologia adequada para aferir e reproduzir, o mais precisamente possível, as funções da biodiversidade e os serviços ecossistêmicos que estão sendo substituídos (D’OLIVEIRA, 2019). Novos estudos e um olhar transdisciplinar e integrado têm muito a contribuir com esta importante política de proteção da biodiversidade.

Referências

ALMEIDA, P., & PINHEIRO, A. (2011). ‘O valor da compensação ambiental’. Revista do Direito Público v. 6, 39-52.

BECHARA, E. (2009). Licenciamento e compensação ambiental na Lei do Sistema Nacional das Unidades de Conservação (SNUC). São Paulo. Brasil. (2000). Lei n. 9.985/2000, Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC).

BULL, J. W., SUTTLE, K. B., GORDON, A., & SINGH, N. J. (2013). Biodiversity offsets in theory and practice. Oryx, 369–380.

BUSINESS AND BIODIVERSITY OFFSETS PROGRAMME (BBOP). (2012). Standard on Biodiversity Offsets. Washington, D.C.: BBOP.

CONSTANZA, R. (1991). Ecological Economics – The Science and Management of Sustainability. New York: Columbia University Press. 

D’OLIVEIRA, R. (2019). No net loss: um princípio entre a compensação ambiental e a preservação. Revista Eletrônica da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro – PGE-RJ, v. 2 n. 2.

ENETJÄN, A., Scott, C., KNIIIVILÄ, M., HåRKLAU, S., HASSELSTRÖM, L., SIGURDSON, T., & LINDBERG, J. (2015). Environmental compensation: Key conditions for increased and cost effective application. Copenhagen: Kindle Edition.

FERRAZ, R., Prado, R., PARRON, L., & CAMPANHA, M. (2019). Marco Referencial em Serviços Ecossistêmicos. Brasilia, DF: Embrapa.

GIBBONS, P., & LINDENMAYER, D. (2007). Offsets for land clearing: No net loss or the tail wagging the dog? Ecological Management & Restoration 8, 26-31.

KATE, K., & CROWE, M. (2014). Biodiversity Offsets: Policy options for governments. An input paper for the IUCN Technical Study Group on Biodiversity Offsets. Gland, Switzerland:

IUCN. KÜPFER, D. (2008). The eco-account : a reasonable and functional means to compensate ecological impacts in Germany. Lisboa: Shriftreihe des Institut Súperior de Agronomia (ISA) Universidade Téchnica de Lisboa.

MADSEN, B., CARROLL, N., & MOORE BRANDS, K. (2010). State of Biodiversity Markets Report: Offset and Compensation Programs Worldwide. Washington, DC: Ecosystem Marketplace.

ODUM, H. (1994). Ecological and General Systems. Colorado: University Press of Colorado. OECD. (2016). Biodiversity offsets: effective design and implementation. Paris: OECD Publishing.

RODRIGUES, M. (2007). ‘Aspectos jurídicos da compensação ambiental do art. 36, § 1º da Lei Brasileira das Unidades de Conservação (Lei 9985/2000)’. Revista de Direito Ambiental, n 46, 130-145.

 VILLARROYA, A. (2012). Ecological compensation and Environmental Impact Assessment in Spain: current practice and recommendations for improvement. Pamplona: University of Navarra.

SHANG, W., GONG, Y., WANG, Z., & STEWARDSON, M. (2018). Eco-compensation in China: Theory, practices and suggestions for the future. Journal of Environmental Management, volume 210, 162-170.

SINISGALLI, P. (2005). Valoração dos danos ambientais de hidrelétricas: Estudos de Caso. Campinas.

YOUNG, C., & MEDEIROS, R. (2018). Quanto vale o verde: a importância econômica das unidades de conservação brasileiras. Rio de Janeiro: Conservação Internacional

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